A dourada percorre mais de 11 mil quilômetros, nascendo na cordilheira dos Andes, descendo até o estuário do rio Amazonas e fazendo o caminho inverso para procriar. Seu ciclo de vida, do estágio larval até a vida adulta, precisa de um fluxo livre de rio e de um estuário protegido.
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A dourada (Brachyplatystoma rousseauxii) é um dos grandes bagres amazônicos, com uma pele sem escamas e coloração metálica. Muito apreciada nas pescarias amazonenses, pescadores e cientistas sempre suspeitaram que este peixe de longos bigodes fazia grandes migrações. Mas ao contrário de outras espécies de água doce largamente estudadas, como o salmão, não havia dados científicos sobre o ciclo de vida do pescado.
Por décadas o biólogo Ronaldo Barthem, especialista em pesca de água doce e pesquisador aposentado do Museu Paraense Emílio Goeldi e Michael Goulding, pesquisador sênior da temática aquática na Wildlife Conservation Society (WCS), se dedicaram a percorrer o rio para encontrar respostas sobre esta migração, aprendendo mais sobre este animal metálico.
“É um peixe grande, de 1 metro e meio. Tem um formato de torpedo e por isso nada melhor. Embora o jeito dele possa não impressionar, ele com certeza está apto a fazer estas grandes viagens”, detalha Ronaldo.
Coletando dados desde a cabeceira do rio Marañon na cordilheira dos Andes (Peru) até o estuário do rio Amazonas no Brasil, os cientistas puderam constatar o dado recorde: A dourada é o peixe que faz a mais longa migração de água doce do mundo: São mais de 11 mil quilômetros percorridos na descida e na subida do rio.
De acordo com Goulding e outros pesquisadores em estudo para a revista Nature em 2017, é possível conectar as diferentes fases do ciclo de vida da Dourada a diferentes lugares do rio Amazonas, o que demonstra a bio-conectividade inegável dentro deste ecossistema de água doce:
“Em termos de conservação, esta migração mostra uma realidade de conectividade ecológica do rio Amazonas. Sua cabeceira, seu percurso e seu estuário estão todos interligados”, explica Goulding. “Todo mundo já suspeitava disso, mas a ciência precisa provar. E esta migração de 11 mil quilômetros é a prova.”
Com a ajuda dos pesquisadores, listamos algumas características da Dourada e também de sua migração, que demonstram a importância de que os rios corram livres e protegidos de projetos que impeçam sem fluxo.
– A dourada é o peixe que faz a maior migração exclusiva de água doce do mundo: são aproximadamente 11,600 quilômetros. Outros bagres amazônicos, como o peixe-gato Zebra (Brachyplatystoma juruense) e a Piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii) também fazem migrações, mas nenhuma tão longa quanto a da Dourada.
– A Dourada nasce na cabeceira dos Andes, no rio Marañon (Peru), um dos afluentes do Amazonas. Os peixes juvenis são levados correnteza abaixo, se alimentando e crescendo com sedimentos do fundo dos rios.
– Depois de descer milhares de quilômetros, passando por países como Peru e Bolívia, as douradas chegam no estuário do Amazonas, no Brasil. Ficam dois ou três anos se alimentando nesta área de alta produção orgânica, comendo presas como crustáceos e peixes.
– Com o porte mais avantajado, elas iniciam sua jornada rio acima para procriar. Elas continuam a comer e a crescer nesta subida, devorando outros peixes migratórios. É nos Andes que elas tornam a desovar, mas o local exato ainda é incerto, porque as águas da cabeceira são muito turbulentas.
– As grandes ameaças à dourada são a construção de barragens que impedem o fluxo do rio – a Usina Hidrelétrica Santo Antônio, no Rio Madeira, é uma delas – e também a pesca de arrasto desenfreada.
Crédito da foto em destaque: Michael Goulding